terça-feira, 29 de setembro de 2009

Temos mar!



O nosso mar

Temos mar bravo,
Mar com espuma,
Mar com força, e
Rochedos fortes e negros
Que podem com a força do mar.

Temos um mar manso,
Mar sereno e romântico.
Não temos mar deprimido,
Nem temos mar deprimente!

Temos um mar como deve ser!

Temos um mar a sério!

Temos mar!

(Leça da Palmeira, Boa Nova, 26 de Outubro de 2008)


"Às vezes, aqueles que gostam do mar dizem mal dele, mas sempre o dizem como se ele fosse mulher, "la mar"... o mar feminino, algo que entrega ou recusa favores supremos e, se tresvaria ou faz maldades, é porque não pode deixar de as fazer. A lua influi no mar como nas mulheres."
("O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway)


"O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal."
(António Gedeão "Poema da Malta das Naus")

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nas estepes da Ásia Central



Um dia - já lá vão alguns anos - perdi-me entre Almaty (antiga capital do Kazakhstan) e Bishkek (capital do Kyrgyzstan). Valerio (cidadão Kazakh de origem russa), meu guia, teve que escolher entre dois caminhos a seguir numa bifurcação em plena estepe sem qualquer orientação. Ficámos parados alguns minutos, o tempo necessário para decidir qual dos caminhos seria o certo. Era noite escura. Escuridão quase absoluta. Só tínhamos as estrelas do firmamento. Dei por mim a tentar agarrar aquelas estrelas que estavam connosco, muito próximas, naquela estepe imensa e infinita.


Apeteceu-me naquele momento repetir o que escreveu Nikolai Prjevalski (1839-1888):

Nos longínquos desertos da Ásia Central deixei algo de muito querido que a Europa não me pode devolver. Naquelas paragens cresce uma erva muito preciosa: a liberdade, liberdade selvagem, é certo, mas isenta de quaisquer obstáculos. Liberdade absoluta!”

"A erva de Prjevalski apodreceu e desapareceu com o herbicida soviético", escreveu Jean-Paul Roux.

Durante mais de 2000 anos a Ásia Central foi o único elo de ligação entre a Europa e a Ásia. Apesar de todas as vicissitudes da História, não só esta ligação não se rompeu como a Ásia Central não voltou as costas ao seu passado para adoptar um qualquer modelo de vida ocidental. Para quem se interessa e viaja pela Ásia Central, há que fazer abstracção dos períodos de ocupação chinesa e soviética e entrar no sonho. Os cavaleiros, as caravanas, os caçadores com águias e falcões continuam lá.

Países como o Uzbequistão e o Quirguistão ressuscitaram os seus heróis após terem proclamado a independência no início dos anos 90. Tamerlão (Amir Timur) e Manas assumem agora figuras de proa na história daqueles países reescrita depois do longo período de “esquecimento” forçado. Em contrapartida, outras figuras históricas e míticas cedem o seu lugar ou vêem o seu percurso descrito de forma diferente. É o caso de Genghis Khan e da influência mongol no imenso território do Turquestão e das figuras recentes do império soviético (Lenine, Estaline).

Sumptuosos monumentos continuam a partilhar o espaço com os ruidosos e coloridos mercados. Apesar de a maior parte dos países terem adoptado modelos de desenvolvimento tendo em vista o mundo moderno, a tradição não foi abandonada nem renunciada. É esta a magia subtil da Ásia Central que todos os que a visitam sentem, em especial ao admirar os espaços infinitos das suas estepes.


A Ásia Central é uma das grandes terras da civilização, um dos espaços privilegiados (e não há assim tantos com estas características) de onde surgiram, nasceram as grandes ideias, génios, ciências e artes. Foi na Ásia Central que nasceu o mazdeísmo, provavelmente a religião mais antiga ainda existente, com o seu reformador Zoroastro ou Zaratrusta, e que se perde na noite dos tempos. Foi também na Ásia Central que nasceu o budismo, que se desenvolveram os pensamentos indianos e gregos para dar origem à arte greco-budista. Foi na Ásia Central que viveram em perfeita harmonia os fiéis de todas as religiões universais.


Foi também na Ásia Central que nasceu al-Biruni, talvez o maior sábio do mundo muçulmano e Ibn Sina – Avicena – considerado o mestre incomparável e pai da medicina. Foi na Ásia Central que nasceu Ulug Beg, neto do grande Amir Timur (Tamerlão) e que foi sem dúvida o primeiro astrónomo dos tempos modernos. É na Ásia Central que se situam cidades (Samarcande, Bukhara, etc.) que outrora foram dos mais importantes centros da História da Humanidade. Heróis de guerras e de histórias épicas inesquecíveis, como Gengis Khan, Amir Timur, Babur, Manas viveram e conquistaram espaços e povos da Ásia Central.

O Uzbequistão celebrou em 2006, com grande pompa e circunstância o aniversário dos 670 anos do nascimento do grande herói Amir Timur, conhecido no ocidente como Tamerlão. O Quirguistão festejou em 1995 a memória do seu herói mítico Manas, recuando assim cerca de 1000 anos. Ambos assumem agora relevo de figuras de proa na história daqueles países reescrita depois do longo período de “esquecimento” forçado


Mas a Ásia Central ainda não desvendou todos os seus segredos. É esta a razão por que o estudo da História e dos povos da Ásia Central tem fontes inesgotáveis e alimenta o espírito insaciável de quem um dia por ela cair de amores.

No silêncio dos desertos monótonos da Ásia Central ouvem-se os primeiros acordes de uma encantadora canção russa. De longe, chega o som de cavalos e camelos que se aproximam e as notas melancólicas de uma melodia oriental.


Surge uma caravana da estepe infinita, escoltada por soldados russos, que prossegue a sua longa caminhada em segurança, protegida pelo impressionante aparato militar. A caravana afasta-se lentamente. Os cantos tranquilos dos vencedores e dos vencidos mistura-se harmoniosamente e os ecos permanecem no ar, enquanto a caravana desaparece.”

Este texto, extraído do folheto que acompanha o poema sinfónico “Na Ásia Central” de Alexandre Borodin, encomendado ao compositor em 1879 para comemorar o 25° aniversário da subida ao trono do Czar Alexandre II, impede-me de acrescentar o que quer que seja para descrever o que sente quem um dia atravessa as estepes da Ásia Central.




(Fotografias de J. Silva Rodrigues, exposições "Regards d'Asie Centrale" e "Na Rota da Seda")

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Art in former Soviet Union: Absheron style


(oil on canvas, by Gena Brijatuk)

Absheron Painting Style (§)


At the end of the seventies of the last century in each republic of the former USSR were gathered elements of protest both in literature and fine arts. Artists felt a lowering of pressure from the "ideology services" and they tried to release from the "socialist realism frame".


Azerbaijani artists such as Ogtay Efendiyev, Mirr Javad, Tofig Javad, Ashraf Murad learnt the modern tendency of the world art and expressed their intention to incorporate this tendency into their creation.


Using the socialist slogan "national art by shape and socialist by substance" those artists synthesized western tendency with traditions of national and even decorative fine arts. They showed semi-abstractive paintings where the pure west style is combined with elements of carpet, gravestone ornaments and folklore.


Artists from different parts of Azerbaijan worked mainly in country houses in the Absheron peninsula. "Absheronians" used in their compositions signs, symbols (from eastern philosophy, sophism) and mystic elements. Often even the colour was one of the ways of carrying ideas.

(oil on canvas, by Mammadkerim Quluzade)

No one of "Absheronians" was similar to each other, in terms of creativity spirit. In Mir Javad art was predominant bright eastern, national elements together with Absheron lifestyle. His paintings shied as if they were eastern carpets. His brother Togig Javad and Ogtay Efendiyev gave more attention to Absheron landscapes. Thanks to them appeared the so-called concept "philosophic landscape of Absheron", which is reflected on several creations from many other artists, including those who usually are not identified as members of the Absheron Painting school.


Ashraf Murad used the western tendency not only in national art but also in "socialist by substance". KGB staff (Committee for State Security) in charge of the ideology branch was horrified while examining Ashraf Murad's paintings. The reason was that these paintings showed much more than images of Lenin, Stalin, workers and farmers. They showed images from all kind of life difficulties, tragedies and in general the boredom of Soviet lifestyle. This explains why the main strike from KGB focused on Ashraf Murad's work. He was brought to mental disorder and troubles and later after his death (he died young) all his paintings kept in his studio were brought and burnt in the yard of the Artists House. In spite of that no one of the "Absheronians" did step way from their style. Apart from this, many artists - Kamal Ahmad, Rasim Babayev, Gennadiy Brizjatuk, Farhad Khalilov, Rashid Ismayilov, Nazim Rakhmanov, Muslim Abbasov - joined this group. "Absheronians" adjusted themselves to the mental pressure and learnt to hide their thoughts. The rich historical practice of Azerbaijani poetry, philosophy (for instance, batinizm derives from the word "batinilik", which means the essence inside the human soul), decorative art, miniature art, etc., contributed to this reaction.


Today the Absheron Painting School is represented mainly by Farkhad Khalilov, Gennadiy Brizjatuk, Rashid Ismaylov, Rasim Babayev, Nazim Rahmanov, Firdovsy Atayev, Khamza Abdullayev, Mohammed-Kerim Guluzzadeh and also by younger artists like Yaver Soultanov and Zakir Housseynov. Obviously, motives of today's "Absheronians" differ from the former one. Now in their works artists from the Absheron peninsula show more optimism, bright colours and above all the sun.
(oil on canvas, by Yaver Sultanov)


(§) This article was written in 2005 by Joaquim Silva Rodrigues with the contribution and support of Mr. Eldaniz Ibrahimov, Director of the Absheron Art Gallery Old City Baku, Republic of Azerbaijan.
Absheron is the peninsula where is located Baku, the capital of Azerbaijan.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Kosovo, 1999

Os intervalos para almoço em Pristina eram a melhor ocasião para praticar a nova paixão pela fotografia descoberta neste território dos Balcãs. Em especial no mercado, o "bazaar", junto ao estádio da cidade. Naquele mês de Agosto de 1999 Pristina respirava ainda os odores dos bombardeamentos da NATO, que tinha terminado em Junho anterior. Tudo sob um sol escaldante e um calor abrasador. Os "Kosovares" saíam para a rua para saborear a nova liberdade e também para pôr em prática a sua capacidade (ou apenas vontade?) para arrancarem com uma nova economia (dita: cinzenta, informal, paralela, subterrânea, etc.) que durante muitos anos (desde 1989, ano em que Slobodan Milošević pôs fim à autonomia dada à província do Kosovo anteriormente oferecida por Tito) esteve enterrada.
No centro de Pristina lá estava o ainda imponente edifício que antes tinha servido de quartel-general da polícia jugoslava na capital da província e que tinha sido um dos alvos preferidos dos aviões da Aliança que, de forma perfeitamente cirúrgica, acertaram com um tiro na horizontal, mais ou menos ao nível do terceiro ou quarto andar, destruindo-o por completo. Tendo os bombardeamentos terminado em meados de Junho, era ainda possível ver no mês de Agosto o estado "intacto" (por contraditório que pareça...) em que se encontrava a destruição do prédio, com radiadores suspensos no vazio, canalizações ainda a jorrar água, pedaços de betão pendurados, etc. No meio daquele caos, lá estava no rés do chão uma sala de conferências praticamente impecável, com as cadeiras alinhadas como se tudo estivesse pronto para uma reunião agendada para aquele dia.
À saída do "bazaar" deparou-se-me aquele espectáculo dantesco que de imediato foi escolhido para "pano de fundo" de uma fotografia que não podia ser deixada para outra ocasião: em primeiro plano estava um rapaz à beira do passeio com uma balança para pesar pessoas; ao fundo, o edifício da polícia. Nada melhor para relatar o caricato da situação em que se encontrava o Kosovo. Aquela "actividade comercial" do rapaz da balança fazia parte do novo rol de modos de vida que os habitantes da província acabavam de descobrir para conseguir levar para casa mais uns trocos (na altura marcos alemães). Encontrado o enquadramento para a fotografia, nada mais faltava do que apoiar no botão para disparar. O rapaz tinha aceite a fotografia, como aliás todos os Kosovares com que me cruzei durante 6 meses aceitaram posar para as minhas fotografias. Era, para eles, a melhor forma de se mostrarem gratos aos "expats" pela intervenção que os tinha libertado das garras de Slobodan Milošević. Por outro lado, também para mim a fotografia servia como o melhor carta de visita para um primeiro contacto.
Os primeiros instantes de preparação da fotografia foram suficientes para que, vindos não sei de onde, aparecessem mais três rapazes que de imediato me pediram para posar junto do rapaz da balança. Tirei, julgo, três ou quatro fotografias. Os três rapazes agradeceram e foram-se embora. Eu fiquei mais uns instantes com o rapaz da balança, até porque me interessava saber um pouco mais sobre a sua "actividade comercial". Para dar a minha modesta ajuda, aceitei pesar-me e paguei o que o rapaz me pediu.
Já um pouco mais à frente, os três rapazes voltaram-se para trás e perceberam que entre mim e o rapaz da balança havia troca de dinheiro. Fizeram-me um sinal com a mão. Não conhecendo o terreno, desconfiei que estariam a pedir-me dinheiro (o que seria absolutamente compreensível naquelas circunstâncias) e fiz sinal que não, ao que os rapazes responderam como que não tendo entendido o que eu queria dizer. Vieram para trás. Eu achei que ia ter um caso complicado, com quatro rapazes a tentar obter dinheiro, num local que eu desconhecia e que poderia ser para mim relativamente perigoso.
A surpresa maior veio quando um dos três rapazes me disse: "Não há problema. Nós não queremos mais nada. Só que o senhor fotógrafo está a fazer o seu trabalho, como o nosso amigo está a pesar as pessoas para tentar ganhar algum. Por isso, como nos tirou fotografias, nós queremos pagar-lhe. Achamos normal e correcto. Cada um deve ser pago por aquilo que faz". Expliquei que não tinham nada a pagar, meio encavacado dei meia volta e perdi-os de vista. Aquela cena perseguiu-me durante semanas. Não estava habituado a ver gente jovem, pobre, atribulada, em ambiente complicado, a ter atitudes decentes… Foi este o meu primeiro contacto com os kosovares genuinos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

«Business Girls of Bukhara»

Écrire un récit de mission, surtout dans des pays lointains comme c’est le cas de l'Ouzbékistan, est toujours travail facile car, malgré le poids de leur histoire, ni les pays ni la région d'Asie Centrale ne sont pas encore très connus des occidentaux. La région n’est «réapparue» sur les cartes des européens - surtout pour les moins habitués à s'aventurer dans des endroits moins exotiques – qu’après le 11 septembre 2001.
La charge de travail qui nous attend chaque fois qu'une nouvelle mission démarre est très souvent raison forte pour qu'on passe à côté de situations qui, loin d'être étranges à ce qui nous concerne du point de vue opérationnel, sont aussi intéressantes que les aspects les plus directement liés à ce qui nous amène au pays.
Boukhara (ville musée de l’Ouzbékistan) est un de ces endroits d'Asie Centrale chargés d'histoire où nous nous retrouvons tous autour d'un "caravansérail" qui a probablement accueilli nos ancêtres qui partaient à la recherche d'épices et d’autres sources de commerce de l'autre côté du monde encore mal connu. Les caravanes ne sont plus là mais le visiteur peut encore sentir l'odeur des épices ainsi que respirer et vivre le mystère que seule l'Histoire est capable de nous raconter.
On dit que l'Office de Tourisme de Boukhara a décidé- il n'y a pas longtemps - "d'équiper" le centre des "caravansérails" avec du sable, des gens habillées selon la tradition de la région et aussi des chameaux. Les touristes aimaient toute cette mise en scène. Cependant les chameaux étaient malheureux.  Le 11 septembre a écarté les touristes de ces parages. Résultat, les chameaux ont été ramenés au désert et les touristes se font de plus en plus rares. Dommage, car Boukhara mérite non pas une visite rapide mais bien plus que ça. Ses monuments sont toujours imposants, relativement bien conservés et à eux seuls racontent beaucoup de ce qui a été notre passé.
Pour cette mission de décembre 2004 Boukhara a décidé de me faire un « cadeau-surprise ». La promenade jusqu'au "bazaar" n'annonçait rien de particulier ce matin "frigorifiant" où il fallait se couvrir les oreilles par peur de les voir tomber par terre en petits éclats. Il n'y avait pas de neige comme à Tashkent (la capitale de l’Ouzbékistan) mais le froid était comme un couteau, même à l'intérieur du "bazaar" qui, vide de touristes, n'avait comme source que la chaleur de l'hospitalité des rares commerçants qui insistaient en proposer toujours de très bons produits, d'abord à un prix ("starting price") pour ensuite être négocié de façon à arriver à quelque chose de plus raisonnable. Ils disent que le commerce est comme un jeu: « il faut toujours jouer et tout le monde sort toujours gagnant ».
Tout d’abord je me suis intéressé à des "chapkas" (les chapeaux en fourrure typiques dans presque tous les pays de l'ex-URSS). Le choix était relativement grand, mais les prix tellement différents ne sont pas compatibles avec une couse rapide - ou alors c'est mon caractère de négociant qui m'empêche de laisser échapper les bonnes affaires. A peine les premières discussions entamées que déjà mon guide, la très compétente et sympathique Gulia (diminutif de Gulnara, prénom très commun en Ouzbékistan, surtout parmi les peuples d'origine russe) me conseille de faire tout d'abord un grand tour dans le "bazaar" pour pouvoir avoir une idée plus générale de ce que je peux trouver et ensuite acheter le meilleur au meilleur prix.
Et le cadeau surprise encore emballé dans sa boîte froide de cette fin de matinée ne se faisait pas attendre. Une fillette s'approcha en m'annonçant qu'elle aussi avait un "business”. En quelques mots elle m'a fait promettre que je viendrais la voire pour acheter aussi ses produits. Son anglais était simplement parfait, avec un petit accent américain. Oltanay "Golden Moon" était sympa et savait bien conduire le touriste qui cherche ses souvenirs, mais elle devait aussi faire face à la concurrence en même temps des adultes et des autres enfants aussi percutants dans leur business. Il fallait alors être convaincante et me faire promettre que je reviendrais la voir.
Gulia me conduisit à travers le bazaar où nous nous sommes engouffrés à la recherche d'un bon tapis ou alors des petits potirons séchés et cirés que je choisis toujours pour remplir d'un mélange d'épices. Le but est de pouvoir sentir intimement l'Asie Centrale après mon retour à Bruxelles. Cette odeur spéciale qui me fait remonter la machine du temps et partir dans mes rêves vers les parages auparavant peuplés de gens comme Marco Polo, Clavijo, Avicenne, etc. Les tapis, ça aussi vaut le détour. La plupart viennent du Turkménistan, mais beaucoup de modèles correspondent aux dernières instructions du dernier Emir de Boukhara avant sont départ vers l'Afghanistan où il est décédé en 1944. Le tapis "teka" montre des dessins de pattes d'éléphant stylisées, ce qui lui permet d'être facilement identifiable. Il faut beaucoup chercher car les prix ainsi que la qualité varient considérablement.
Le temps dans ce dimanche à Boukhara passe tellement vite que l'heure d'aller manger un petit "shashlik" ne se fait pas attendre. L'odeur de la préparation des "shashlik" est partout car les grillades se font toujours à l'extérieur. Et oui, l'Asie Centrale est pleine d'odeurs, ce qui fait une atmosphère un peu spéciale, inoubliable, qui nous incite déjà au prochain retour.
L'expérience de la veille au soir à l'Hotel Karavan ne laisse point de marge de choix, car le diner dans un endroit pareil ne doit pas se présenter comme un simple rituel gastronomique mais bien au contraire comme une nouvelle opportunité de partager les traditions d'un peuple roi en hospitalité et en Histoire. Zevar et son mari Ikrom, les propriétaires du Karavan ont montré le jour de mon arrivé à Boukhara une envie inattendue de me raconter tout ou presque tout sur ce qui leur entour, notamment sur les différentes façons de préparer les plats savoureux et délicieux que Zevar espère ira satisfaire son hôte.
Le retour à l'endroit des "business" proche de la grande mosquée, de la madrasa et du grand minaret de Boukhara était programmé, mais sans penser que les mêmes fillettes de tout à l’heure restaient en attendant celui qui était probablement le seul touriste à Boukhara ce jour-là Les touristes qui étaient arrivés dans la matinée étaient partis très probablement sans y laisser trop de traces, sauf le paiement de l'entrée dans la grande mosquée et l'achat de quelques souvenirs. Boukhara était vide. Ses habitants retrouvent le calme d'antan mais les commerçants ne sont pas pour autant très satisfaits car les gens locaux n'ont pas ni le pouvoir d'achat ni les besoins d'un touriste (même celui d'un jour) pour faire marcher l'économie fragile de la ville.
A l'arrivée à l'endroit des "chapkas" de la matinée Oltanay m'aborde de nouveau en ma rappelant que je lui avait promis du "business". Mon idée était de faire encore une fois le tour du bazaar pour prendre la distance nécessaire avant de commencer à remplir le petit sac en « rafia » de mauvaise qualité acheté le matin pour compenser le manque de valises suffisamment grandes. Le bagage devait se préparer avec soin car les 20 kilos autorisés par Uzbek Airways pouvaient être soit strictement contrôlés soit largement dépassés, en fonction de la bonne humeur du fonctionnaire en charge du "check-in" pour le vol de la soirée Boukhara-Tashkent.
Mon refus de "business" n'était pas liminaire, mais « Oltanay l'a compris comme ça. Sa déception était énorme ainsi que celle de ses copines, des gamines entre les 12 et les 15 ans, toutes plus ou moins de la même taille mais aussi avec la même énergie que Oltanay. Les filles m'on fait savoir qu'elles m'attendaient depuis la matinée pour que je puisse acheter aussi chez elles, et non pas seulement chez les plus grands. J'ai beau expliquer que je reviendrais un peu plus tard; que c'était une question de faire encore un tour du marché, etc., etc, mais les filles avaient compris que je n'achèterais plus rien chez elles.
C'est alors Oltanay  m'écarte du cercle, me regarde d'un air très grave et sérieux et me dit: "Monsieur, vous avez l'air d'être plus âgé que moi. Pourquoi vous ne respectez pas votre engagement? Why don't you keep your promises? Me dit-elle en anglais."
Ces paroles m'ont complètement frigorifié, et je suis sûr qu'elles auraient eu le même effet même s'il faisait plus chaud ce jour à Boukhara. Entendre une petit gamine me rappeler à la raison, puisque quelques heures auparavant j’avais promis quelque chose et maintenant j’essayais de "fuir" encore une fois, était plus fort qu'un coup de foudre. Son anglais n'était pas proportionnel ni à son âge ni à sa condition de petite fille de Boukhara, où très certainement les écoles ne sont pas préparées pour un investissement sérieux en "Business English for Young Business Girls".
Dans le cas où je n'aurais pas compris son anglais, d'ailleurs parfait, Oltanay me parla dans un français simplement directement importé de la région parisienne, sans accent autre que celui des français de bonne souche. Résister au charme d'un abordage de cette nature était devenu mission presque impossible, sans blesser ce que la société a encore de plus pur et de plus noble: la jeunesse. Ma condition de gestionnaire de projets dans le secteur du développement de ressources humaines est montée au plus haut dans mon intérieur pour me rappeler que le boulot ça peut arriver n'importe où et n'importe quand. Il fallait surtout ne pas décevoir ces jeunes filles si dévouées à leur "business" et si professionnelles, mais aussi tellement bien élevées, comparées à ce qu'on voit dans pas mal d'autres destinations touristiques.
La question à difficile solution - loin d'être une question d'argent - était de savoir quoi acheter et à combien d'entre elles. Le choix n'était pas terrible car les produits étaient presque les mêmes sur toutes les écharpes étalées par terre où les petits bonhommes ouzbèks en terre cuite, les coussins, les tasses en céramique, etc., se répétaient. Acheter à une voulait dire acheter à toutes les autres, ce qui était irraisonnable étant donné le poids et le volume de toutes ces petites pièces, qui venaient s'ajouter aux courses de la matinée.
Oltanay m'a expliqué que l'après midi allait déjà très loin et qu'il ne fallait pas oublier que le lendemain les filles devaient aller à l'école. Il ne faut pas oublier non plus qu'il faisait très froid, raison pour laquelle elle avait mis à l'abri toutes ses pièces. Oltanay m'a alors invité à visiter son "magasin" qui se trouvait dans un patio intérieur. A mon hésitation de m'engouffrer dans un endroit inconnu, alors qu'il commençait déjà à faire un peu noir, Oltanay me rappelle que sa ville est très sûre, que son entourage est très gentil et que je ne dois rien craindre. Je la suis ainsi que toutes ses copines. A peine arrivés dans le patio, quelqu'un arrive avec la marchandise. La même que toutes les autres à l'extérieur.

Je décide alors d'acheter deux ou trois pièces pour ne pas décevoir Oltanay, mais tout de suite les autres "business girls" me rappellent que j'ai aussi promis de leur acheter quelque chose. Oltanay accepte la petite quantité de mes achats mais se montre plus difficile pour le prix. Le principe est toujours le même: faire business est comme un jeu; on commence par un prix, ce qui ne vaut pas dire qu'il s'agit du dernier prix. Le client doit aussi proposer son prix. Ça fait aussi partie de mon jeu, mais Oltanay m'invite gentiment à ne pas rester bloqué sur ma proposition et à me rapprocher de son prix initial. C'est, m'explique-t-elle, la meilleure façon d'arriver à un accord. Après quelques tentatives des deux côtés l'accord est possible et les bibelots son payés. Maintenant il faut faire face aux autres "Business Girls". Sortir du patio et rentrer au Karavan n'était pas une question de distance (200 mètres), mais une affaire de respect pour toutes ces filles "entrepreneurs" qui ne cherchent qu'à ramener chez elles un peu d'argent qui permet d’adoucir leurs difficultés ainsi que celles de leurs familles.
De toutes les filles qui avaient des articles à vendre seules trois n'avaient pas eu encore la chance de leur côté. Leurs produits étaient un peu plus chers que les autres (question de quelques sums - la monnaie locale) et surtout n'ajoutaient rien de nouveau à la déjà longue liste de ce que j’avais acheté.
Les trois filles ont quand même décidé de tenter leur chance en m'accompagnant jusqu'au Karavan. La route n'était pas longue (environ deux cents mètres) mais les filles savaient très bien "arrondir les bords". Ainsi, passant de l'anglais au français, avec quelques incursions par l'italien et l'allemand et même quelques mots de portugais, notre conversation a touché des sujets tels que le type de vie que j'ai en Belgique, ce que je fais, ce que font mes enfants, etc.

Le niveau de conversation était simplement étonnant. Rien de comparable à des phrases préparées pour le touriste. Les filles sont rusées pour leur négoce, mais ont aussi un petit quelque chose de spécial pour montrer que quelque part dans le monde l'intelligence des peuples ne doit jamais être sous-estimée. Les filles arrivaient à me parler de leur système d'éducation et de leur style de vie dans des langues si étrangères mais aussi tellement proches de leur niveau intellectuel que la leçon valait bien la peine. Et c'est ainsi que leur "business spirit" n’a pas été déçu. Je l'espère...
Boukhara, Ouzbékistan
décembre 2004

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sr. António, Marnoto de Lavos

Foi em 2005 que finalmente voltei ao meu sonho de infância: ir às salinas, apreciar e falar com os marnotos. No verão de 2005 fui às salinas de Lavos, na Figueira da Foz. E que bem que me fez!
As salinas tinham-me ficado na memória desde muito pequeno quando, na altura em que ainda existiam as salinas da Aldeia Nova, no Cabo do Mundo, ali mesmo onde nos anos setenta se implantou a refinaria da Sacor. Recordo-me que havia uma mulher, das que transportavam o sal em gigas com uma rodilha para equilibrar o peso na cabeça, que vinha regularmente beber um copo à loja que a minha mãe tinha no Largo da Igreja. O que me marcou acima de tudo foram as gretas que ela tinha nos calcanhares, suficientes para lá fazer entrar uma moeda de dez tostões. É que andar descalço no sal deixa marcas indeléveis.
Em Lavos encontrei o senhor António. Estava sossegadamente a preparar o almoço na sua cabana. Entrei, cumprimentei e não sei quanto tempo passou desde que começámos a nossa conversa. Foi um tempo sem fim. Ficámos amigos. Naquela solidão própria das salinas, fiquei com a certeza de ter mudado o meu dia e com a sensação de ter mudado o dia do senhor António. É óbvio que grande parte do nosso encontro foi registado em fotografias.
No ano seguinte voltei a Lavos e voltei a visitar as salinas. Procurei o meu amigo marnoto. Andava a reparar alguns dos canais  porque tinha chovido, a água da chuva tinha feito algumas asneiras e agora que o tempo estava de feição para o sal havia que reparar. Chamei por ele ao longe. Aproximou-se circunspecto.  Não me reconheceu de imediato, até porque tinha passado um ano e com a idade do senhor António há que ir devagar com os apelos à memória. O que é que o estranho quereria?
Eu tinha uma surpresa para ele. Já na cabana, tirei de um envelope uma das fotografias que lhe tinha tirado no ano anterior e mostrei-lhe. A primeira reacção foi dizer-me que já há muito esperava a fotografia, até porque tinha pago já não sei quanto. Disse-lhe que não, que não tinha pago nada e que provavelmente estaria a fazer confusão. Nessa altura fez-se-lhe luz e lembrou-se que, de facto, tinha aparecido um tipo qualquer a fazer fotos e a cobrar por elas e que mais tarde as enviaria, o que nunca mais aconteceu. Expliquei-lhe o que se tinha passado entre nós no verão anterior e desfez-se o engano. O senhor António, do alto dos seus quase oitenta anos, abraçou-me a chorar como um menino, como um pai, como um amigo de infância. Sei lá! Chorámos os dois e depois rimos com toda aquela história. Bebemos um copo de tinto tirado directamente do seu garrafão, à nossa saúde e amizade .  Prometi voltar no ano seguinte. Nunca mais lá fui e não sei o que é feito do meu amigo marnoto. Ficou a memória deste encontro fortuito. Um grande abraço amigo senhor António!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mr. Sudoku

"Hoje acordei furioso!"
"Foi assim, nestes termos, que certa manhã na praça dos Vosges, em Paris, um velho judeu interpelou Marek Halter (Hoje Acordei Furioso! Um Escritor de Mal com o Seu Tempo, de Marek Halter ,Edição/reimpressão: 2008, Editor: Bizâncio, ISBN: 9789725303736)."
Há já bastante tempo que "encontro", ou seja, vejo, contemplo, admiro a postura do meu "supostamente  ou hipotético interlocutor" matematicamente sentado durante a hora de almoço num dos bancos de jardim do Parc du Cinquantenaire, em Bruxelas. Fuma cigarilha e joga sudoku. Chova ou faça sol, ou até mesmo com neve (como já tive oportunidade de o fotografar em Janeiro deste ano, com o Cinquantenaire vestido de branco) lá está o meu "parceiro" concentrado: não sei se na cigarilha que só pode fumar em espaços abertos, se no sudoku que só pode jogar a solo.
Pensei já por várias vezes meter-me à conversa com ele. Não para lhe dizer que naquele dia "acordei furioso", como fez o velho judeu de Marek Halter e daí encetar um novo ciclo de conversas de jardim público às horas de almoço com um desconhecido, mas para matar de uma vez por todas a curiosidade sobre este personagem: será ele eurocrata? Parece-me que sim! Será ele espanhol? Não sei porquê, mas acho que sim; se não, pode ser flamengo ou grego. E não me perguntem por que é que penso assim. Será um viciado dos jogos de paciência, entre os quais o sudoku ou simplesmente um cidadão normal, vulgar, que curte a sua depressão isolando-se juntamente com o seu bloco de jogo e a cigarilha? De todas, tenho a impressão de ter acertado na última.
Mas um dia destes vou tirar as coisas a claro e depois conto como foi.
  

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ásia Central - Karakalpakstan



Foi, de facto, a primeira missão a "sério" que fiz ao Karakalpakstan, República Autónoma do Usbequistão.
Estávamos em Maio de 2001 e era preciso identificar uma série de projectos a incluir no programa de acção financiado pela Comissão Europeia de 2002 para os países da Ásia Central. Especificamente para aquela região longínqua tinham sido atribuídos apenas 2 milhões de euros, sendo a saúde pública eleita como sector prioritário. Já naquela altura convinha ter em conta a proximidade da catástrofe (criada pelo Homem!) do Mar de Aral a partir dos anos setenta em plena União Soviética.
Assim que o Tupolev da Uzbek Airlines aterrou no aeroporto de Nukus (capital da República Autónoma do Karakalpakstan), depois do piloto anunciar na aproximação à pista que estavam 45° C à sombra, o Ministro da Saúde Dr. Damir Babanazarov convidou-me a entrar numa pequena carrinha que ocasionalmente servia tanto para transporte de pessoal como de âmbulância. Éramos 5 passageiros a bordo, mais o motorista. Sem transição, dirigimo-nos para norte de Nukus, na direcção de Chimbay, região pertencente ao Mar de Aral e não longe do antigo porto de pesca soviético de Muynaq. Ao calor dentro e fora da carrinha juntava-se o fato e a gravata que, naquela primeira visita oficial (a solo e em representação da Comissão Europeia) eram de rigor. Mas com boa vontade e acima de tudo com espírito de combate e de cooperação tudo se suporta. Em Chimbay, no meio da maior aridez jamais vista por mim (até essa altura!) cruzei-me com o homem que escolhi como "cabeça de cartaz" para as minhas exposições que seguiram de 2002 até 2009. Desconheço que idade teria, mas era certamente mais novo que eu. Só que a vida já lhe tinha dado a entender que, naquelas paragens o tempo deixa marcas fortes na pele. Das várias missões que fiz àquela região até finais de 2004 nunca mais me cruzei com este homem. Gostaria de ter notícias dele. Espero que um dia alguém lhe diga que algures na Europa foi cabeça de cartaz.
Já quanto ao Dr. Damir Babanazarov, deixou-nos passados algumas semanas após este nosso encontro, vítima de enfarte. Era uma pessoa afável, inteligente e com um coração do tamanho do mundo. A mim, deixou-me um legado de valor inestimável: a grande amizade da sua esposa Marinika Babanazarova. Marinika é conservadora e actual directora do Museu de Nukus. É uma pessoa adorável, com uma cultura fora do vulgar e - felizmente! - reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho e dedicação à causa da arte karakalpak e do espólio deixado e recolhido pelo seu Mestre Savitsky.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

JUST DO IT

"JUST DO IT" é mesmo o que deve ser feito! Por isso escolhi esta frase para título do meu blog.

O meu blog não será - eu iria escrever "de forma nenhuma", mas emendei para "tanto quanto possível" - um diário íntimo, com confidências, confissões, mensagens do foro interior e íntimo mas tão só (e já será muito!!!) uma janela para o exterior através da qual pretenderei mostrar o que faço que possa ter algum interesse para os outros. No fundo, tenho a modesta ambição de partilhar com os outros o conhecimento acumulado neste meio de século de existência.

Vou tentar mostrar o que vou fazendo e o que fiz na área da fotografia, contando, sempre que for apropriado, histórias das minhas viagens - na minha e na terra dos outros, mas na nossa Terra - com um carinho muito especial por todas as pessoas que fotografei e a quem não pedi autorização prévia nem para tirar a fotografia nem para publicar ou expor.

Vou também falar das minhas exposições fotográficas (algumas já realizadas desde 2002 relativas à Ásia Central e à Rota da Seda) e de vez em quando dar umas dicas sobre equipamento fotográfico e técnicas nesta área.

Por fim (provisoriamente) vou tentar não resistir muito à vontade de entrar nos comentários e críticas literárias, políticas, sociológicas e tudo o que de perto ou de longe tenha ligação com projectos de sociedade civil.

Mas as ideias evoluem...