segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Era uma vez um amigo...

"Aquele abraço"
Quba, Azerbeijão, 2004
J. Silva Rodrigues

Eramos miúdos e tudo corria sobre rodas. Construía-se a amizade entre os bancos da escola e dois pontapés na bola e uns cigarros comprados a 2 por cinco tostões fumados às escondidas. Depois, com alguns anos mais e também mais uns trocos no bolso e uma nota para gasolina, lá se partilhava a amizade no pub (era o Twiggy nessa altura que estava na moda...), regada com moderação com um (e não uns) uísque. A vida corria bem, as conversas eram ligeiras e fáceis, o mundo tinha a sua velocidade e nós tínhamos a nossa.

O casamento veio com a idade e com ele uma nova vida: mulher e filhos, obrigações familiares às quais se juntaram as obrigações profissionais. Sim, pensava-se numa carreira para dar corpo ao que já vinha de trás: da escola, do liceu, da universidade.

Com tudo isto veio a separação: primeiro a geográfica, física e depois (consequência) sentimental. .Longe da vista, longe do coração...

No início achava-se normal que o silêncio se instalasse. No fundo, era um "vou ali e venho já" que nunca poderia durar muito tempo. No fundo, os amigos, mesmo guardando silêncio, ficam sempre amigos, estejam eles onde estiveram.

Só que os anos passaram. Muitos, ou apenas alguns, segundo o prisma por que se olhe.

Uma primeira tentativa de reatar ligação com um dos amigos "perdido" na capital já se tinha saldado por uma enorme decepção. Afinal o amigo já não era! Tinha migrado para outra esfera e a memória da escola, do liceu, do pub e de tudo o mais tinha-se perdido. Ou pelo menos não estava presente quando mais foi necessário.

Um segunda tentativa com outro amigo teve idêntica sorte. Estava muito ocupado... Perdeu-se a paixão, a emoção do reencontro. Por isso também a decepção que seria o remédio contra a nostalgia do passado aconteceu.

Uma terceira foi, se calhar, a derradeira. Nova tentativa de por de pé e nova queda abrupta. Depois do casamento de ambos os amigos, com ligações estreitas e feitas ainda mais estreitas com laços de apadrinhamento, veio a emigração. É, a vida tem destas coisas: um dia, mais cedo ou mais tarde, por esta ou por aquela razão, podemos ter que emigar! Seja lá para onde for... E foi isso mesmo: veio a oportunidade (mais do que a necessidade) de ir para outro lugar. No início era muito longe. Não havia os meios de comunicação e de telecomunicação que hoje existem. Era tudo muito longe, muito distante. E com a distância e com o silêncio tudo era diferente.

Passaram-se os anos. Foi muito tempo, eu sei! Mas apareceu nova tentativa de refazer os laços que, sem se terem desenlaçado, estavam pouco apertados. Já com recurso às novas técnicas de comunicação, as minhas tentativas de reatar terminavam sempre, invariavelmente, com "um grande abraço de amizade". Nem sempre houve correspondência, mas quando houve foi desanimadora: em resposta (será que era em resposta?) ao "grande abraço" vinha apenas "cumprimentos" ou no melhor dos dias ""melhores cumprimentos".

Caro amigo, o que se passou? Então já não me dás um abraço? Mandas-me cumprimentos, como acontece entre desconhecidos ou entre gente de formalidades? Já não és mais meu amigo, pois não? Eu tenho a certeza de que, se eu precisasse de ti enviarias em meu socorro "cumprimentos". Só que eu preciso mesmo é de um "abraço de amizade".

Muitas pessoas costumam dizer: "Eu tenho um amigo meu..." ao que eu costumo responder que há alguma repetição nos termos da frase. Só que a vontade de que os amigos que temos sejam nossos obriga a esta repetição! Nestes casos não se mandam cumprimentos; dá-se um abraço apertado de amizade.

Eu mandei-te alguns abraços. Tu respondeste com cumprimentos. Por isso eu costumo dizer: "Eu tinha um amigo meu..." Agora chamo-te "ex-amigo" porque cumprimentos tenho-os eu de quem eu quiser e sempre que quiser.

Adeus amigo. Gostei muito de te ter conhecido...