quarta-feira, 19 de março de 2014

MANSÃO DA ORFANDADE




“Nenhum ser humano esquece o dia em que o pai morreu. Dizem que é o momento em que nos tornamos adultos e o futuro nos é confiado como chave de uma mansão de que somos enfim herdeiros. Fingimos que assumimos a vida como senhores do nosso destino, mas a orfandade nada nos oferece a não ser a solidão dos que se descobrem entregues à sua sorte.

Vivi essa tragédia  pessoal numa jornada estranha, uma daquelas tardes em que tudo parece suceder ao mesmo tempo, como se Deus jogasse com a nossa desgraça tirando-nos com uma mão o que nos dá com a outra. A vida tem, aliás, destas coisas. Tropeçamos nos anos como se estivéssemos anestesiados, não passamos de sonâmbulos a vaguear por um sonho cujos contornos mal discernimos, perdidos num labirinto tecido pelos mistérios que assombram os caminhos abertos diante de nós. De repente, como por encanto, ou talvez graças a um desconcertante passe de ilusionismo, os acontecimentos aceleram e tudo se precipita.”

Foi o que se  passou naquele dia em que entrei naquele hospital. Franqueei o átrio como um animal acossado, ansioso e deprimido, vergado pelo futuro que intuía incerto.

Olhei em volta e estranhamente respirei o ambiente sereno que me rodeava. Nessa noite consegui dormir com o meu novo estatuto de ter sido confiado a chave da mansão da minha orfandade.

(adaptado, sem autorização do autor, de “O Homem de Constantinopla”, José Rodrigues dos Santos, edições Gradiva, Setembro de 20139

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